Caro estudante de Direito

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Aqui você encontrará anotações, reflexões, resumos de obras, provas ministradas pelos professores com as respectivas respostas, e considerações sobre as aulas de Direito.

Sinta-se à vontade para comentar, analisar, sugerir e contribuir.

Lembre-se, o conhecimento está no ar.

Charles Ferreira dos Santos
Acadêmico de Direito


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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Capítulo I - 4. Resenha crítica - Teoria Geral do Direito e do Estado

Lançamos abaixo algumas anotações sobre a obra Teoria Geral do Estado (capítulo I) de Hans Kelsen, assim como alguns dados biográficos do autor. A tradução feita por Luis Carlos Borges, a edição do ano 2000, as 637 páginas do livro são alguns detalhes dessa obra referencial ao estudo do direito.

Teoria Geral do Direito e do Estado

Autor: Hans Kelsen

Publicou mais de quatrocentos livros e artigos, com destaque a Teoria Pura do Direito pela influência alcançada. Considerado o principal representante da Escola Positivista. A Constituição da Áustria de 1920 foi elaborada com inspiração em suas obras, notadamente o controle concentrado da constitucionalidade das leis e dos atos normativos como função jurisdicional a cargo de um Tribunal Constitucional. (WIKIPEDIA, 2011a).

Nasceu em Praga (República Checa), 1881, foi jurista e filósofo, considerado um dos mais importantes do século XX. Em abril de 1973, deixou sua obra para o mundo e partiu. Para quem gosta de detalhes, em Praga nasceu também Franz Kafka (1883 - 1924), um dos maiores escritores de ficção da língua alemã do século XX, com realce a obra O Processo. Ambos judeus. (WIKIPEDIA, 2011b).

Introdução


Em seu prefácio, Hans Kelsen vai logo delimitando o estudo, o campo, da teoria geral do Estado que se propõe a realizar. Diz, a realidade jurídica, a existência específica do direito manifesta-se num fenômeno designado geralmente como positividade do direito. O objeto específico de uma ciência jurídica é o direito positivo real, em contraposição a um direito ideal, o objetivo da política. Temos então, para efeito didático, a seguinte sentença definida pelo autor:

o objetivo de uma ciência jurídica é o direito positivo ou  direito real, diferentemente do objetivo da política, que vai estudar o direito ideal.

Ainda reforçando esse raciocínio, a ciência jurídica trata claramente  daquilo que o direito é, e não aquilo que o direito deveria ser. Separando, dessa forma, a teoria do direito, cujo foco é o direito positivo (que se confunde com a jurisprudência analítica), de uma filosofia de justiça ou sociologia do direito. Assim, a teoria pura do direito é uma teoria monista.

Mais adiante, esclarece que o ideal supremo da política é a justiça, em confronto com o ideal supremo da ciência, a verdade. Donde se infere que o princípio fundamental da ciência é a verdade. Daí temos  outra sentença, segundo Hans Kelsen:

a política busca a justiça, a ciência busca a verdade.

Fazendo um parêntese ou permitindo um aparte aqui, para que nosso estudo não se perca em concepções vagas, lembramos o conceito de monísmo, acima referido, e pluralismo jurídico, importantes para a compreensão das ideias kelsenianas.

O monismo jurídico é uma teoria segundo a qual todo o direito emana do Estado, não admitindo qualquer regra jurídica fora dele, tendo em Hans Kelsen um defensor e propagador.

Por outro lado, o pluralismo jurídico é a coexistência de mais de um ordenamento jurídico em uma mesma dada sociedade. (WIKIPEDIA, 2011c).  Na Idade Média, por exemplo, coexistiam diversas ordens sociais, como o direito consuetudinário (costumes), o direito canônico (igreja) e o direito romano.No Brasil, encontramos em Antonio Carlos Volkmer um estudioso dessa teoria, retratando em Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura do direito, editora Alfa Omega, São Paulo, 1997, os valores que permeiam essa tese.

Oportuna é a definição, neste momento, de pluralismo político, que não se confunde com pluralismo jurídico, para que o quadro mental desses valores se configure mais claramente em nossas reflexões. Assim, o pluralismo político não se limita simplesmente à pluralidade partidária, é um direito fundamental à diferença em todos os âmbitos da convivência humana. Dessa forma, respeitadas as limitações da ordem jurídica vigente, o indivíduo é livre para se autodeterminar. O artigo primeiro, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 diz que  a República tem como fundamentos, entre outros: o pluralismo político, daí decorre o direito fundamental à pluralidade política.

Capítulo I - O conceito de Direito

A. Direito e Justiça 

a. A conduta humana como objeto de regras 

Hans kelsen afirma que o direito é uma ordem de conduta humana, considerando que a ordem é um sistema de regras.

b. Definição científica e definição política de direito

Definição política de direito. Se afirmarmos que um ideal específico de justiça corresponde a um Estado democrático capitalista, estaremos diante de um conceito de direito com viés político. Porque, nesse caso, o que estamos fazendo é apenas defendendo essa ordem social como sendo a mais justa. Do mesmo modo, pode-se afirmar que um ideal específico de justiça corresponde a ordem social da Russia, por exemplo. Restando claro que essa definição é política, não científica.

Definição científica de direito. Segundo Kelsen, o problema do direito, na condição de problema científico, é um problema de técnica social, não um problema de moral. Direito e justiça são dois conceitos diferentes. O direito, considerado como distinto da justiça, é o direito positivo.
Então, na definição científica de direito, cabe a afirmação de que o direito é uma técnica social específica, diferentemente de uma filosofia de justiça.

c. O conceito de direito e a ideia de justiça

Diz, o autor, que a tendência de identificar direito e justiça é a tendência de justificar uma dada ordem social. E acrescenta, é uma tendência política, não científica. Esclarecendo ainda mais esse ponto, salienta que uma teoria do direito, uma ciência, não pode responder se tal sistema jurídico dado é justo ou injusto, tendo em vista que essa resposta não pode ser respondida cientificamente. Ainda, a justiça é a felicidade social, o eterno anseio do homem.

c1. a justiça como um julgamento subjetivo de valor 

Hans Kelsen concentra sua reflexão no sentido de demonstrar que o julgamento para o que se entende por justiça é diferente para diferentes pessoas.

Assim, para o cristão, o bem-estar da alma além-mundo é mais importante que os bens terrenos; já o materialista não acredita em vida após a morte; o liberal, por sua vez, tem a liberdade pessoal como bem supremo; e, para o socialista, a segurança social e a igualdade material são valores superiores à liberdade individual.

Diante dessas considerações, Hans Kelsen argumenta que o problema de justiça não pode ser solucionado de forma racional, pelo menos no momento. Tendo em conta que o Liberalismo ou Socialismo visam ao mesmo objetivo, mas diferem quanto à maneira correta de atingi-lo, e essa controvérsia não pode ser solucionada cientificamente.

c2. Direito natural

Segundo Hans Kelsen, os princípios do Direito natural são apresentados para aprovar ou desaprovar uma ordem jurídica positiva, sua validade repousa em julgamentos de valor que não possuem qualquer objetividade.

Então, a doutrina do Direito natural é às vezes conservadora, às vezes reformista ou revolucionária em caráter. Em suma, o autor define que a doutrina do Direito natural  é mais uma tarefa política, não científica.

c3. O dualismo de Direito positivo e Direito natural

Hans Kelsen focaliza o conflito entre a doutrina do Direito natural, absolutamente justo e perfeito e Direio positivo, imperfeito, de tal modo que o Direito positivo só é justificado quando corresponde ao Direito natural.

Esse caráter dualista se expressa nas ideias de Platão, na interpretação religiosa do mundo, na visão metafísica.

Constata, o autor, que o centro da filosofia de Platão é sua doutrina de ideias. De modo que divide o mundo em duas esferas diferentes: uma é a do mundo visível, perceptível pelos nossos sentidos, o que chamamos realidade, a outra, é a do mundo invisível das ideias.  As coisas que existem neste mundo real são apenas coisas imperfeitas, sombras, das ideias existentes no mundo invisível.

Assim posto, se fosse possível conhecer esse Direito sobrenatural justo, o ideal, o Direito positivo seria supérfluo, sem sentido. Mas esse Direito sobrenatural é inacessível à cognição humana.

c4. Justiça e paz

Já que a justiça, segundo a percepção de Hans Kelsen, é um ideal irracional, somente uma ordem jurídica que proporcione uma solução de compromissos entre opostos pode conduzir à paz social.

c5. Justiça e legalidade

Apenas com o sentido de legalidade  é que a justiça pode fazer parte de uma ciência de Direito.

B. O critério de Direito ( o Direito como uma técnica social específica)

A função de toda ordem social é motivar certa conduta recíproca dos seres humanos.


a. Motivação direta e indireta

A motivação direta não determina sanções, pois decorre de uma pureza absoluta raramente encontrada na realidade social.

A motivação indireta determina uma sanção, estabelecida na própria ordem, atribuindo vantagens ou desvantagens. Trata-se, pois, do princípio da retribuição, que consiste em recompensa ou punição.

b. Sanções transcendentais e socialmente organizadas

Primeiro, o homem primitivo desconhecia o dualismo: vida terrena e vida do além. Seus deuses são as almas dos mortos, que vivem em rios, rochas e animais. Tais criações mantêm  a ordem social primitiva. A má caça, a vida longa e a sorte são recompensas e punições oriundas desses deuses que os primitivos acreditavam. Dessa forma, a ordem social é absolutamente religiosa, transcendental.

Mais tarde, aparecem as  sanções socialmente imanentes e se juntam com as sanções transcendentais.

Avançando no curso da história, surge a noção de céu e inferno e a ordem social perde seu caráter exclusivamente religioso, interferindo apenas como suplemento e apoio para a ordem social. As sanções são, então, atos de indivíduos humanos regulados pela própria ordem social.

c. Punição e recompensa 

Para os povos primitivos, o medo da vingança dos espíritos contribuía para a preservação da ordem social. Já a esperança de recompensa não tinha tanto peso assim, com efeito apenas secundário.

Defende Kelsen que o medo do inferno é muito mais concreto que a esperança de um paraíso. Dessa forma, há a observação do comportamento social desejado em face da técnica de punição.

d. Direito como ordem coercitiva

A sanção organizada socialmente consiste numa privação de posse: da vida, da saúde, da liberdade ou propriedade. É uma medida de coerção, ou seja, aplicação de uma força física na execução da sanção.A isso se chama ordem coercitiva. Assim, o Direito é uma ordem coercitiva. Diz Hans Kelsen, uma ordem social sem caráter coercitivo seria uma sociedade sem Direito.

e. Direito, moralidade, religião

Direito é uma técnica social específica de uma dada ordem coercitiva. Assim, o Direito é um meio e não um fim.

O Direito, a moralidade e a religião são ordens sociais com propósitos semelhantes, mas com métodos diversos.

A ordem social regida pela moral se impõe pela desaprovação de condutas imorais, e para evitar essa desaprovação, evita-se a conduta moralmente ilícita.

Enquanto a ordem social, sob o ponto de vista do Direto, consiste em uma medida de coerção decretada pela ordem socialmente organizada.

Ao passo que a ordem social sob a égide da religião, a punição tem caráter transcendental, talvez mais eficiente do que as punições jurídicas, sempre segundo Hans Kelsen.

Sanção é a reação da ordem  jurídica contra o delito.

Sanção legal é um ato da comunidade jurídica.

A sanção transcendental não é uma reação do grupo social, mas suprassocial.

f. A monopolização do uso da força

Constata Hans Kelsen o paradoxo da técnica social, segundo o qual o ato coercitivo da sanção é o mesmo que ele busca prevenir. Ou seja, a sanção contra uma conduta socialmente danosa é, ela própria, uma conduta similar.

Onde encontrar uma sociedade sem ordem coercitiva? Ora, aí está o anarquismo, que tende a estabelecer a ordem social baseada unicamente na obediência voluntária dos indivíduos. Rejeita a técnica de uma ordem coercitiva e, portanto, refuta o Direito como forma de organização.

O Direito é uma organização da força, sob certas condições, por certos indivíduos. Dessa forma, o Direito pacifica a comunidade, pois usa a força de forma organizada e dentro das condições previstas.

g. Direito e paz

A paz do Direito não é uma condição de ausência absoluta da força, um estado de anarquia; é uma condição de monopólio de força, um monopólio de força da comunidade.

A ideia de retribuição que se encontra na base dessa técnica social é o Direito, ou seja, a ideia de retribuição é a reação própria da comunidade jurídica em relação ao indivíduo, de intensidade similar.

Temos, assim, o princípio da retribuição: com base na qual a punição será a medida da mesma intensidade do delito.

Compulsão psíquica: o direito, a moral e a religião são normas coercitivas, dado que a motivação para a conduta desejada é coercitiva se nos comportamos de acordo com ela.







REFERÊNCIAS


HANS Kelsen. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hans_Kelsen> Acesso em: 23 jun 2011.

FRANZ Kafka. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Franz_Kafka> Acesso em: 23 jun 2011.


PLURALISMO jurídico. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pluralismo_jur%C3%ADdico> Acesso em: 23 jun 2011.



quarta-feira, 22 de junho de 2011

Capítulo I - 3. Direitos humanos: perspectiva histórica

Breves considerações de um estudante

Os direitos humanos surgem da luta contra a opressão. Se hoje toda pessoa nasce com direitos fundamentais assegurados, é porque ontem uma sociedade se organizou e lutou para conquistá-los. Esses direitos começaram a ser reconhecidos ao longo da história desde os primeiros direitos concedidos aos estrangeiros pelo povo romano da antiguidade: jus gentium, o direito das gentes.

A história da humanidade pode ser contada a partir da história de luta em busca da dignidade humana. Nenhum direito surgiu sem que muitas vidas tivessem sido sacrificadas por isso. O tratato de Vestfália, de 1648, encerrou a Guerra dos 30 anos, e garantiu igualdade de direitos entre a comunidade cristã e  protestante no território alemão. Seria então o marco do primeiro tratado internacional com medidas de proteção aos direitos humanos. Assim, reconhecia-se, nesse início da Era Moderna, o Direito Natural. 

Outras tantas acepções seriam utilizadas para designar a mesma categoria jurídica: além do já mencionado direito natural, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, direitos fundamentais, liberdades fundamentais e liberdades públicas.

Hannah Arendt, filósofa política, chama atenção para o fato de que "os homens não nascem livres e iguais, a liberdade e a igualdade são opções políticas". Essas opções políticas serão frágeis ou não na medida da força de um povo pela luta de seus direitos.

A criação da ONU, em 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada por essa mesma entidade três anos após a sua criação, como respostas às atrocidades da Segunda Guerra Mundial, são de vital importância para o futuro dos direitos humanos. Vários Estados passaram a incluir os princípios dessa declaração universal em suas constituições.

Teóricos não são pacíficos em aceitar a classificação dos Direitos Humanos em forma de gerações, ainda que essa classificação não melindre a sua indivisibilidade (devem ser sempre considerados no seu conjunto), a sua inalienabilidade (ou seja, intransferíveis, inegociáveis e indisponíveis) e sua universalidade (todos os seres humanos serão tratados com dignidade).

A primeira geração dos direitos humanos abrange as liberdades individuais (liberdade de locomoção, de expressão, de culto, de associação), a qual se firma com a Revolução Francesa, cujo lema era exatamente: liberdade, igualdade e fraternidade. A segunda geração se reporta à igualdade (direitos econômicos, sociais, culturais) e tem seu marco nas cartas constitucionais do México, em 1917, e da Alemanha, em 1919. A terceira geração assim entendida como sendo a fraternidade, que engloba os direitos difusos (não podem ser concedidos a um ou outro individualmente), como o meio ambiente equilibrado, o direito dos consumidores e o desenvolvimento de povos e nações. Ainda se conjectura uma quarta geração de direitos humanos, o direito tecnológico, que se refere à proteção do patrimônio genético da humanidade (o biodireito) e o direito à informação (inclusão digital). O direito à paz, sustentam alguns, seria nessa classificação, tendo em vista sua importância, a quinta geração dos direitos humanos.

Eis, portanto, de forma breve, algumas considerações sobre a busca histórica do respeito à dignidade da pessoa humana.

As grandes questões que se colocam, para finalizar, são:  como garantir os direitos solenes, e como impedir que continuem sendo violados.

Capítulo I - 2. Resenha crítica - Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação

Abaixo uma resenha crítica da obra (capítulo I) de Tércio Sampaio Ferraz Junior e alguns dados biográficos, nesta que é a primeira referência em que debruçamos nossos estudos ao longo das primeiras aulas.

Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação

Autor: Tércio Sampaio Ferraz Júnior

Jurista brasileiro, autor de vários livros, doutor em Direito pela USP com a orientação de Miguel Reale, 1970, e doutor em filosofia pela Universidade de Mainz, 1968. Em 1974 completou o pós-doutorado em Filosofia do Direito.

Introdução

Logo em seu início, o autor coloca o conflito e a incoerência como facetas decorrentes do Direito. Diz, textualmente, que "ser livre é estar no direito, no entanto, o direito também oprime e tira a liberdade". Mais adiante, ainda nessa primeira ideia de incoerência, destaca que "o direito pode ser sentido como uma prática virtuosa que serve ao bom julgamento, mas também usado como um instrumento para propósitos ocultos e inconfessáveis".
Adotando, desde logo, uma postura pragmática, segundo a qual há que se buscar o domínio técnico do direito, sem o qual tudo se perde numa fantasia inconsequente.
Na viagem pelo tempo, passando pela Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e chegando aos nossos dias, o autor constata as transformações que sofreu o Direito, segundo cada sociedade em seu tempo.
Desemboca na percepção que considera o Direito, nos dias atuais, como bem de consumo. Assim como todas as coisas e conhecimentos são valorizados na proporção de sua contribuição para a produção da riqueza. Mesmo um objeto de arte que é adquirido mais como investimento e possibilidade de retorno do que por ser simplesmente uma obra de arte.
Entretanto,  o autor não dá a essa avaliação um ponto final, embora constate que tal situação conduz o homem para uma constante e permanente alienação.
Acredita que o Direito como bem de consumo, uniformizado e servindo apenas como instrumento, venha a implodir e, posteriormente, recuperar-se. Entende que a consciência das circunstâncias que posicionam o Direito como mero bem de consumo não deve ser entendida como momento final, mas como um ponto de partida.
Finaliza, transmitindo a ideia de que a sabedoria não se adquire com o conhecimento e nem é resultado da ciência, mas é experiência e reflexão, exercício do pensar. Desafia-nos a pensar o Direito e  encontrar um sentido, para então praticá-lo com prudência, o legado virtuoso que os romanos nos legaram.

Capítulo I

1.1 A universalidade do fenômeno jurídico

O Direito: origem, significados e funções

O autor demonstra claramente a dificuldade em definir o Direito com rigor. Se, por um lado, o Direito nos protege do poder arbitrário, por outro, é também um instrumento manipulável que frustra as aspirações dos menos favorecidos, já que, pela sua complexidade, é acessível apenas a uns poucos especialistas.

O Direito está vinculado a uma série de símbolos antecedentes da própria palavra. Mas predomina um grande símbolo materializado em uma balança com dois pratos colocados no mesmo nível, com o fiel no meio, em posição perfeitamente vertical.



Os gregos colocavam a balança com dois pratos, sem o fiel no meio, na mão esquerda da deusa Diké (a deusa grega da justiça), e na mão direita uma espada (vigiando a manutenção da justiça), em pé e com os olhos bem abertos (em busca da verdade), dizia solenemente existir o justo quando os pratos estavam em equilíbrio. Assim, o justo, para os gregos, era visto como a igualdade.

Diké, a deusa grega da justiça.

Os romanos simbolizaram a justiça por meio da deusa Iustitia, a qual segurava com as duas mãos a balança com os dois pratos  e o fiel bem no meio, com os olhos vendados, e dizia o direito quando o fiel estava completamente vertical. 

As pequenas porém significativas diferenças entre os dois povos, em termos de simbologia, mostram-nos, segundo o autor, os gregos numa concepção mais abstrata, especulativa, generalizadora precedendo, em importância, o saber prático, por isso os olhos abertos, enquanto a espada na mão indicava a força para executar o direito; os romanos não elaboravam teorias abstratas sobre o justo em geral, mas construções operacionais, um saber-agir, um equilíbrio entre a abstração e o concreto, a prudência, atividade específica do jurista, dando grande importância à oralidade.

A palavra direito, em português, indica tanto o sentido de justiça, em termos de virtude moral, quanto o exame do equilíbrio da balança,  por intermédio do aparelho judicial.

Diante dessas considerações acerca do direito, evidencia-se em extrema dificuldade a tarefa em saber o que seja o direito.

1.2 Busca de uma compreensão universal; concepções de língua e definição de direito

Os juristas, segundo o autor, buscam compreender o direito como fenômeno universal. A língua, na tradição cultural do Ocidente, é um instrumento que designa a realidade. Daí  decorrem dois enfoques: 

a teoria essencialista, segundo a qual as palavras designam a essência das coisas. 

Sustenta, essa teoria, haver uma única definição válida para uma palavra, ou seja, é possível encontrar o núcleo e a essência de cada termo. Essa concepção sofre severas críticas, uma delas questiona a possibilidade de o homem conhecer verdadeiramente os objetos que o cercam. 

e a teoria convencionalista, que define a língua como um sistema de signos, cuja relação com a realidade é estabelecida arbitrariamente pelo homem.

Assim, a teoria convencionalista leva em conta o uso social ou técnico dos conceitos, variável de comunidade para comunidade. Entende-se, nessa teoria, que a descrição da realidade varia conforme os usos conceituais de cada termo Nesse ponto, toda definição é nominal, e não real. Ao descrever a realidade utilizam-se tais conceitos. Em consequência, a descrição da realidade depende da linguagem usada. Decorre daí a necessidade da investigação linguística para melhor compreender, por exemplo, o que é direito.

Ademais, diz o autor, qualquer definição que se dê de direito, sempre haverá uma carga emotiva, além da quase impossibilidade de uma definição neutra, em que a tal carga emotiva tivesse sido eliminada, somando-se a essa dificuldade, a questão ideológica adiante comentada.

1.3 Problema dos diferentes enfoques teóricos: zetético e dogmático 

O direito pode ser estudado sob diferentes ângulos. Concentra-se, o autor, em dois enfoques: o zetético, voltado para o aspecto pergunta, e o dogmático, orientado para a resposta.

Questões zetéticas trabalham hipóteses especulativas e, portanto, são infinitas as possibilidades de questionamentos. Questões dogmáticas preocupam-se em possibilitar uma decisão e orientar a ação, um dever-ser, portanto, são finitas.

Como ilustração ao conceito acima, o autor cita o problema de Deus na Filosofia e na Teologia. Num enfoque zetético, a Filosofia pode pôr em dúvida sua existência, questionando até se é relevante ou não essa investigação, por outro lado, sob o enfoque dogmático, a Teologia parte da existência de Deus como uma premissa inatacável.

Ainda, esclarece o autor, uma investigação zetética tem como ponto de partida uma evidência, frágil ou plena,  enquanto uma dogmática parte de uma dada premissa. Cita a questão de se saber se funcionário público pode ou não fazer greve como qualquer trabalhador. Um sociólogo do direito tem a questão aberta, na qual a legislação sobre o assunto é um dado entre outros, podendo ou não servir como base à especulação elucidativa. Entretanto, o dogmático do direito, ainda que diante de interpretações abertas, está adstrito ao ordenamento vigente.

Dessa forma, o fenômeno jurídico, complexo, admite em sua investigação os enfoques zetéticos e dogmáticos, adiante examinados, e postos como ponto de partida para a Introdução ao Estudo do Direito, segundo o autor.

1.4 Zetética jurídica

A zetética jurídica corresponde às disciplinas que tem como objeto não somente o direito, como por exemplo  

a Filosofia do direito, a Lógica formal das normas e a Metodologia jurídica, enquadradas como zetética analítica pura,  submetendo o direito à crítica dos fundamentos formais e materiais;

a Teoria geral do direito e a Lógica do raciocínio jurídico, agrupadas como zetética analítica aplicada, tendo em vista que podem servir de base para uma possível aplicação técnica à realidade;

a Sociologia jurídica, a Antropologia jurídica, a Etnologia jurídica, a História do direito, a Psicologia jurídica, a Politologia jurídica e a Economia jurídica, como zetética empírica pura, estudando o direito como fenômenos sociais;

e a Psicologia forense, Criminologia, Penalogia, Medicina legal, Política legislativa, como zetética empírica aplicada, considerando o direito como instrumento que atua dentro de certas condições sociais.

Tais disciplinas são tidas como auxiliares da ciência jurídica stricto senso, cabendo ao jurista tanto o domínio das questões zetéticas como dogmáticas.

1.5 Dogmática jurídica

As disciplinas dogmáticas do estudo do direito são a ciência do direito civil, comercial, constitucional, processual, penal, tributário, administrativo, internacional, econômico, do trabalho, entre outras.

Diz o autor, as questões dogmáticas obedecem o princípio da proibição da negação, em outras palavras, o princípio da não-negação dos pontos de partida, ou ainda, o princípio da inegabilidade dos pontos de partida. Exemplifica com o princípio da legalidade, inscrito na Constituição, quando o operador de direito deve propor a solução de conflitos com base na lei, conforme à lei, para além da lei, mas nunca contra a lei.

Ainda que  o princípio básico da dogmática seja a inegabilidade dos pontos de partida,  não está o operador de direito condenado a simplesmente repetir dogmas. Embora dependa desse princípio, não se limita a ele, esclarece o autor.

Nesse ponto, admite que a própria vinculação está sujeita à interpretação. A Constituição prescreve: ninguém  é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Pode-se perguntar o jurista, mas que significa aí lei? Eis que pode ser tomada em seu sentido restrito ou alargado. Ou seja, uma jurisprudência enquadra-se?

Interessante observar que o conhecimento dogmático não trabalha com certezas, mas com incertezas. As incertezas decorrem justamente da aparente eliminação por dado dogma. Por exemplo, se um condomínio baixa uma norma proibindo animais, dessa aparente certeza surgem inúmeras outras incertezas que até então não existiam, tais como, a vedação atinge os que já possuíam animais anteriormente? Se refere somente a animais que perturbam a ordem ou a todos? 

Para encerrar o capítulo o autor ressalta que dará enfoque dogmático ao estudo do direito no presente livro, ressalvando que isso não significa desprezar a perspectiva zetética, mas, ao contrário, estudar a dogmática e analisá-la sob o ponto de vista zetético.

domingo, 19 de junho de 2011

Capítulo I - 1. Introdução ao Estudo de Direito*

Conhecer Direito é trilhar por caminhos de mais incertezas, de mais perguntas. Já nas primeiras aulas, damo-nos conta que embora estivéssemos atrás de respostas, há a necessidade de refazermos as perguntas. Estudar Direito é desconstruir as verdades que talvez estejam sedimentadas em nosso ilusório saber, é olhar criticamente o mundo. Aliás, essa também é a função do conhecimento. Novos questionamentos sobre velhos preceitos. Não há mesmo razão para se ter opiniões definitivas a respeito de qualquer área do conhecimento, pois o mundo é mutante, e mutantes são seus conceitos.




* Aulas ministradas pelo professor Carlos Magno Spricigo Venerio, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, professor do Curso de Direito da Unesc, membro da diretoria da ABEDI, Associação Brasileira de Ensino do Direito e integrante da Comissão de Especialistas em Ensino Jurídico da SESU/MEC.



Introdução

As disciplinas abordadas serão Introdução ao Estudo de Direito, capítulo I, Ciência Política, capítulo II, História do Pensamento e das Instituições Jurídicas, capítulo III, Teoria Geral do Estado, capítulo IV, Metodologia Científica e de Pesquisa, capítulo V e Produção e Interpretação de Textos, capítulo VI.
Cada disciplina conterá as referências, os resumos dos capítulos abordados e os conceitos que foram objetos de estudo. Serão comentadas as perguntas e as respostas das provas. Uma revisão geral dos pontos essenciais e uma crítica farão parte do capítulo Conclusão de cada disciplina.
De forma resumida, esse é o plano de exposição das anotações da primeira fase do Curso de Direito.

Para quem se destinam estas notas

Se destinam estas anotações tanto para quem está descobrindo a sua profissão como para quem está cursando Direito, pois além de apresentarem um resumo das disciplinas, arrolam as referências bibliográficas, comentários críticos e algumas resenhas selecionadas.
Dessa forma, se você, leitor, está na encruzilhada de sua decisão vocacional, aqui encontrará os assuntos que foram tratados na primeira fase do curso de Direito e poderá avaliar se suas aspirações condizem com aquilo que vai encontrar durante o curso. Mas se você já é um acadêmico do curso de Direito, encontrará aqui uma forma de rever os conteúdos, realimentar sua memória e terá oportunidade de confrontar a sua leitura com as impressões de outro acadêmico. Em ambos os casos, esperamos que façam seus comentários e provoquem este escrevinhador, usando a opção abaixo oferecida por este blog.
Nesta apresentação inicial, é bom destacar que "estudar o direito é, assim, uma atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência, preparo, mas também encantamento, intuição, espontaneidade." (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio, 2003).

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