1.
Código
de Talião (olho por olho, dente por dente).
"Arnaldo foi roubado. Leo levou a carteira e o carro de Arnaldo que estava sendo ameaçado com uma arma de fogo. Arnaldo registra o Boletim de Ocorrência na Delegacia competente, porém, dois dias depois do ocorrido encontrou Leo caminhando calmamente na rua. Arnaldo, sem medir as conseqüências agarrou Leo, amarrou-o e o levou para sua casa, onde o deixo preso num banheiro na edícula aos fundos do seu terreno. Imediatamente após ter prendido Leo, Arnaldo entrou com pedido junto à delegacia e ao próprio Poder Judiciário, solicitando a concessão do direito de cortar a mão direita de Leo, já que o mesmo foi o autor do roubo que lhe tirou a carteira e o carro. Fundamenta seu pedido no Código de Talião (Olho por olho, dente por dente) e ainda requer que, caso o Judiciário entenda demais o corte de toda a mão, possa Arnaldo cortar então pelo menos os dedos desta mesma mão de Leo.
A
medida da justiça de ontem não pode ser usada para julgar um acontecimento
presente. Se for certo que o homem é um ser histórico, e o direito uma criação
dele, então o direito é igualmente histórico. Além do que os valores
morais não só mudam como são relativos e diversos em cada comunidade. Assim
posto, analisemos a questão.
Antes
de qualquer princípio processual, há um princípio elementar na Constituição
Federal que deve pautar a vida em sociedade: o princípio da dignidade da pessoa
humana (artigo 1º, III, CRFB). Daí decorre a proibição ao sequestro e
cárcere privado (artigo 148, Código Penal) e a indisponibilidade de bens
relativos à personalidade (artigo 12, Código Civil).
Há
um princípio elementar no Direito Processual que é o Princípio da Exclusividade
da Jurisdição, conforme artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal: “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Sucede, pois, à luz desse preceito constitucional e processual, que cabe
exclusivamente ao Estado a competência para julgar conflitos.
Arnaldo,
partindo para aplicar a justiça com suas próprias mãos, além de ferir o
princípio acima mencionado, cometeu ilícito penal de alta gravidade: sequestro
e cárcere privado, artigo 12 do Código Penal.
Diante do exposto, Arnaldo
terá o direito a ampla defesa e contraditório, direito a constituir advogado
para sua defesa, se recursos para tanto possuir, não os tendo, direito a
advogado gratuito fornecido pelo Estado.
No entanto, em face do
ocorrido deverá ser preso em flagrante delito, podendo responder em liberdade,
em caso de réu primário. Não poderá alegar ignorância da lei, conforme artigo
3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro: “Ninguém se escusa
de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.
Conclui-se que Arnaldo não
poderia ter agido assim, em face da ordem jurídica vigente na atualidade. Ainda
que na Antiguidade tal atitude estivesse amparada nos costumes da época, hoje
os valores são outros, e amanhã também não serão os de hoje.
2.
Escritura
Pública lavrada com assinatura falsa. Validade Jurídica?
"Teobaldo, 40 anos, casado pelo regime da comunhão parcial de bens, quer vender um apartamento adquirido na constância do casamento. Porém, Teobaldo está separado de fato de sua mulher e não quer conversar com a mesma para conseguir a sua anuência para a venda, pois imagina que isso não vá acontecer.
Os
pressupostos de validade de um negócio jurídico estão alicerçados no artigo 104
do Código Civil: “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma
prescrita ou não defesa em lei”. Tem-se na doutrina que os elementos
da existência do negócio jurídico são: manifestação da vontade, agente,
objeto e forma. E os elementos de validade: livre e consciente; capaz e
legitimado; lícito, possível e determinado; livre ou prescrita em lei. (Nery
Júnior, Nelson. Código civil comentado. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2009, p. 321).
Percebe-se
que não houve manifestação de vontade da legítima proprietária, esposa de
Teobaldo, tanto é que nem assinou. Dessa forma, o negócio jurídico não cumpre
os pressupostos de existência. Torna-se, pois, celebrado assim, um negócio
jurídico nulo.
Farta
é a jurisprudência dando guarida à nulidade de negócios jurídicos levados a
cabo nessas condições, ou seja, formalizados com assinatura falsa. Abaixo dois
julgados do Tribunal de Santa Catarina.
1.
Jurisprudência. TJ-SC. Processo: 2011.103229.1 de 31.05.2012. Relator: Lédio
Rosa de Andrade. (Acórdão). Declaratória de nulidade em face de assinatura
falsa em negócio jurídico.
2.
A venda de imóvel, na qual tenha se verificado a assinatura falsa de um
transmitente, constitui ato jurídico nulo. Em relação a terceiros “desfaz-se o
direito que acaso tenham adquirido com fundamento no ato nulo ou anulado,
porque ninguém transfere a outrem direito que não tem, segundo tem acentuado
reiteradamente a doutrina”, nas palavras do Desembargador Ronei Danielli, na
apelação cível nº 2008.011542-2, TJ-SC.
Há
de destacar aqui o artigo 169 do Código Civil, o qual diz: “O negócio
jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do
tempo”. Assim, a esposa de Teobaldo pode alegar a nulidade daquele ato
jurídico a qualquer tempo, dado que não está sujeito à preclusão.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 7
ago.2012.
BRASIL. Código Penal. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 7
ago.2012.
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 7
ago.2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 7
ago.2012.
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de
setembro de 1942. Lei de Introdução às
normas do Direito Brasileiro.. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em: 7
ago.2012.
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria de
Andrade. Código Civil Comentado.
7.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Disponível em: <www.tjsc.gov.br>. Acesso em: 8 ago. 2012.